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[ artista visual brasileira contemporânea ]

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Alegorias da memória: Autoficções
Sheila Ortega

Um universo estético peculiar, assim são as correntes subjetivas que deambulam pelas obras de arte de Sheila Ortega em exposição na Galeria Andrea Rehder Arte Contemporânea. Um quebra-cabeça sensorial, um caça-palavras lúdico, fábulas cartográficas e cromáticas: barrocas.

A combinação de uma categoria como autoficção (aqui no plural) que serve como matriz instigante é absorvida pela artista a partir de suas acepções em diferentes áreas do conhecimento humano - como a psicanálise, a literatura e o teatro – e, transmutadas aos manifestos visuais que Ortega concebe, constrói e disponibiliza para nos atrapalhar e imantar. A série pictórica intitulada Alegorias da memória (2023/2024) exemplifica essa miscibilidade de maneira assimétrica na medida em que cria diálogos com os procedimentos cerâmicos da série Alegorias da memória – Deslocamentos (2024).

Manifestos visuais estes que se consolidam na capacidade da artista de os disponibilizar formal, conceitual e especialmente a partir das operações e dos processos que transitam sua pesquisa artística. Isto manifestado na maestria com que explora diferentes modalidades artísticas contemporâneas como a pintura, os procedimentos cerâmicos, a escultura, a instalação; a conjunção entre elas e também sua localização vulcanicamente transgressora nos espaços arquitetônicos.

Nessas modalidades é possível corroborar o que Sheila Ortega apontou sobre sua pesquisa artística durante sua participação na exposição coletiva ARtérias na ceRÂmica na própria galeria em 2022 sob minha curadoria, que […]investiga o convívio com os objetos (reconhecíveis) do universo doméstico, do cotidiano, seus fluxos, significados e memórias. Assim como vislumbrar momentos que, agora transmutados pelo contemporâneo, da história da arte e da humanidade a artista questiona em sua produção.

A natureza-morta foi historicamente deslocada para um lugar de "arte menor" por tratar de assuntos do universo feminino. Essa é uma das camadas estruturantes do meu trabalho, que acontece criando diálogos entre a pintura, os procedimentos cerâmicos, as instalações, fotografias e registros de ações.

A pesquisa artística de Ortega é, na minha opinião, um ponto de inflexão de destaque ímpar sobre a relevância dos procedimentos cerâmicos como parte do sistema artístico contemporâneo; dando continuidade as pesquisas e discussões levantadas a

partir de 2020 com a primeira publicação que registra inicialmente a importância da cerâmica brasileira no contexto contemporânea das artes visuais Transgressões Cerâmicas Brasil.

Ao mesmo tempo essas abordagens peculiares se estruturam como um pertinente e sólido hiato na inserção dessas discussões no contexto do mercado de arte. Na poética de Sheila Ortega transparece a peculiaridade de abordar dinâmicas cíclicas entre a pintura, a instalação, a escultura e as dialéticas constitutivas e subjetivas dessas modalidades até e a partir dos procedimentos cerâmicos para estruturar seus potentes manifestos visuais. Isso fica evidenciado nas palavras da artista quando declara que esses procedimentos

[…]são criados a partir das pinturas e estas, por sua vez, são alimentadas pelas formas inventadas com o barro.

E continua

Os procedimentos cerâmicos que construo são estruturados a partir do meu alfabeto pictórico. Busco criar um fluxo de retroalimentação na prática diária do ateliê, encontrando relações entre as manchas das pinturas, as texturas da paisagem doméstica, acúmulos de objetos, composições poéticas e as formas feitas com a argila.

As fábulas visuais que transbordam de cada trabalho artístico na exposição, e no conjunto delas, abrigam e nos aconchegam nas suas colisões sensoriais de histórias recortadas para se constituir numa constelação estética de versões irradiantes de memórias, cultura, gênero, interdisciplinaridade; imagens e objetos do cotidiano reconfigurados em novas subjetividades funcionais.

Dicotomias seletivas agora em diálogos discordantes na sua origem mas (in)coerentes na nova função definida pela artista. Os embates referenciais de deslocamentos geográficos e cartográficos literais (a artista durante sua infância morou em diferentes estados do Brasil : São Paulo, Bahia, Maranhão e volta para São Paulo); sua paixão por séries e filmes de terror e serial killers, o trânsito entre as alegorias à memória, à autoficção (ver Serge Doubrovsky) se questiona e nos questiona: Será que o que eu lembro eu realmente vivi ou eu inventei? Até onde a minha mente chega com essas lembranças?

PhD Andrés I. M. Hernández
Curador - São Paulo, primavera de 2024

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